“A Universidade esperava-me com as suas matérias árduas; estudei-as muito mediocremente, e nem por isso perdi o grau de bacharel; deram-mo com a solenidade do estilo, após os anos da lei; uma bela festa que me encheu de orgulho e de saudades, — principalmente de saudades”.
Machado de Assis. “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, Cap. XX – “Bacharelo-me”.
“Enquanto não notarmos que nossa capacidade de produzir conhecimento não vem com a habilidade de aprender com isso, não haverá esperança”.
(John Gray, escritor e filósofo britânico)
Era interessante quando os mais velhos nos diziam com o ar de sabedoria que de fato possuíam: “Meu filho, estude para ser alguém na vida”. Àquela época essa frase tinha um peso considerável, portanto quem fosse esperto seguiria à risca o conselho e se entregava aos livros em busca de conhecimentos com vistas a ser “alguém”. Como vemos, poderíamos sair da condição de não ser “ninguém”, ninguém no sentido de pessoa sem força de influência no meio em que vive. Só a busca de conhecimentos nos tiraria dessa condição inerte e nos daria os instrumentos intelectuais necessários para a ação e transformação de nosso meio.
Certa vez um amigo meu, professor de História, contou-me que Capistrano de Abreu, historiador cearense, desistiu de dar aulas num dos maiores colégios do Brasil, o Colégio Pedro Segundo, no Rio de Janeiro. Quando lhe perguntei o motivo da desistência de Capistrano, respondeu-me categórico: porque os alunos eram muito burros. O caso é ilustrativo para pensarmos um ponto importante em nossa educação que é a universalização. Sabemos que antigamente a escola era algo restrito para poucos, no caso da universidade mais ainda, era preciso cruzar o mar para estudar em Coimbra. Pois bem, dando um salto do séc. XIX ao séc. XX, aos anos 1930, chegamos ao surgimento de nossas primeiras universidades, como sempre estávamos atrasados não só em relação ao primeiro mundo, mas também aos nossos vizinhos da américa espanhola. De lá para os anos 1990, ocorreu o que ficou conhecido como universalização do ensino, tínhamos acesso à escola em grande escala. Um fato a ser notado é que não é difícil essa universalização se tornar uma “banalização”, como de fato já é. E hoje a questão não é mais a quantidade, porém a segunda parte da questão que, teimosamente, gostamos de esquecer, ou seja, a qualidade do ensino.
Há uma falha quando pensamos que saber o que é correto necessariamente implica fazer o correto. Não é bem assim, a distância entre a consciência e a ação é às vezes de milhões de quilômetros. Podemos averiguar isso em quaisquer das órbitas da nossa vida, desde a política, a religiosa ou a ética. Isso tem tudo a ver com qualidade da educação ou mais precisamente com a falta dela. É aquele outro dito conhecido: “Eu finjo que ensino e você finge que aprende”. Isso seria cômico, se não fosse a pura verdade.
A busca por um diploma não é o mesmo que a busca de um curso, afinal podemos passar 4 anos sentados, todos os dias, de segunda a sexta, numa sala de aula sem todavia fazer um curso. Depois desses 4 anos, mesmo não tendo feito o curso como deveria ser, recebemos nosso diploma, ainda mais quando dizemos essa frase antológica: “Eu estou pagando”. Um diploma é apenas um pedaço de papel, o que nos muda como seres humanos mais preparados para vida e a vida profissional é vivenciar o curso aproveitando todas os conhecimentos. Quando digo isso não posso ligar o fato apenas aos alunos, pois não podemos ignorar que muitos professores “universitários” infelizmente ainda são analfabetos funcionais, mesmo com título disso ou daquilo. O curso nos melhora como pessoas e profissionais, o diploma não, no máximo ele só servirá para aumentar um pouquinho o salário.
Outra tragédia do âmbito da educação é que a maioria das pessoas já se deu conta de que a condição para ser alguém na vida não vem, necessariamente, da educação. Sendo assim, o sujeito não precisa “estudar para conseguir algo na vida”, basta que ele pague por um diploma, não por um curso. A pessoa tem outras alternativas, tanto boas quanto péssimas, lícitas ou ilícitas. Um jogador de futebol, por exemplo, não precisa ter doutorado para poder dar bem uma entrevista, basta que ele seja um craque dentro de campo e pronto. Uma cantora de música pop não precisa ser um Bob Dylan em suas letras, principalmente quando seus fãs fazem parte de uma faixa etária que diz não ler Machado de Assis ou José de Alencar porque “é muito difícil”.
É esse tipo de pessoa que acredita que é possível ser alguém sem educação, sem esforço intelectual. Acha que já é alguém, mas não compreende que isso é poder ir além do nível da massificação, ou seja, é ser autêntico. Já ser ninguém, pelo contrário, é não ter qualquer influência benéfica no seu meio em que vive, é ser igual a todo mundo, seres enjaulados no individualismo. Essa mentalidade errônea se torna mais penosa quando percebemos que ela é patrocinada. A educação, nesse caso, é desprovida de qualquer sentido mais profundo, inclusive para representantes governamentais que acreditam que salvar a economia é mais importante do que educar um cidadão. A educação não perdeu seu sentido, foi nosso tempo presente que deixou de querer um sentido.
Chegamos ao ponto de constatarmos que nossa sociedade não gosta de educação, gosta de diploma, de títulos, de vantagens. Viver a experiência dos conhecimentos, utilizá-los para melhorar nossa vida pessoal e coletiva está ao largo de nossos objetivos. A imbecilidade é a norma e mais uma vez esquecemos a importância de pensar em qualidade. Não esqueçamos da “ascensão espantosa e fulminante do idiota” apontada por Nelson Rodrigues, nem do “direito à fala a legiões de imbecis” na famosa frase de Umberto Eco. A nossa ignorância tem um “status” poderoso, as pessoas mais destacadas nem sempre são as mais “ilustradas”. Demorará muito para que um dia a educação imprima seu efeito em nossas vidas, basta ver nosso atual estado de nação deprimente para constatarmos que falhamos e não aprendemos sequer a aprender. Erramos e seguimos passando de ano sem a menor possibilidade de reprovação, mas se a escola não reprova a vida, a outra escola, não perdoa.