Este é um tempo bom para pensarmos na nossa vida de brasileiro não apenas pela via do mais próximo a nós, através do nosso dia a dia. É necessário que voltemos nossos olhos para o alto, precisamos saber se o que vem de lá tem alguma coisa a ver com o chão no qual pisamos e com as paredes que nos pretegem.
Alguma coisa mudou na nossa percepção do poder e isso deve ser pensado e sentido de uma forma como jamais havíamos experimentado. É fundamental um autoconhecimento a partir dos efeitos sofridos todos os dias, efeitos que não surgem do nada, embora muitas vezes não saibamos dizer de onde. O nosso desconforto é uma bússola infalível para a apreensão da origem do mal que nos ataca, essa bússola nos indica que algo não está “ordenado” como deveria.
Nós nos relacionamos com o poder e suas forças parecidas com a da gravidade, às vezes de forma a nos beneficiar, o que significa em muitas ocasiões nos corromper, ou de forma a nos darmos conta de que caímos numa armadilha que condiciona as nossas ações. Em todo caso, as relações são inevitáveis e podem ter as mais variadas naturezas.
Será que o poder possui mesmo poder? Existiria um limite para o poder? Se houver, estamos diante de um fenômeno interessante, porque talvez a posse do poder seja muito maleável e quem não tem poder ativo pode de certa forma interferir mais do que imagina. Nesse caso, se alguma coisa mudou foi o jeito do poder criar a sua própria aparência, um pouco derruída ultimamente.
Os poderosos podem ter se dado conta de que seus tentáculos não alcançam certos horizontes em chamas. É como se o poder tivesse perdido a crença e estivesse numa crise de identidade. É como se ele tivesse perdido o sentido e agora lutasse para convencer os que estão abaixo dele de que ainda manda. Eis o ataque de nervos.
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O poder vem do alto, essa é a nossa percepção, a ponto de causar mal-estar quando por algum meio ou motivo – ao menos a quem queira – nos digam que ele possa vir ou de baixo ou dos lados. Não, na nossa cabeça o poder vem do alto, inclusive por sabermos que ele está “sobre” nossas cabeças. Deus habita acimas dos céus, ninguém pode imaginar Deus “abaixo”, nem mesmo os mais descabelados que se rebelam contra Ele. Da mesma forma temos a figura do rei, houve até mesmo um que disse que “O Estado sou eu” e ficou conhecido como o Rei Sol. Como sabemos, embora o sol se ponha, ele só o faz para se elevar do outro lado do mundo. Enfim, nossos olhos e nossa mente se voltam sempre para o alto quando pensamos em poder.
Quem está por baixo, a maioria no caso, sente o efeito que vem de cima, para o bem ou para o mal. A vida dos de baixo é regrada pelas ordens do ilimitado ápice das decisões, muitas dessas servem apenas para controlar, por vezes é a desordem mantida por um ordenamento (“ordenhamento”, do verbo ordenhar, também seria válido e é bem mais interessante para a “vida de gado”). A partir disso já se infere que a harmonia entre o de cima e o de baixo não é algo de natureza una e fechada.
O conflito é inevitável entre o alto e o baixo, entre o poder e alguns que vivem sob suas ordens. A relação com o poder se dá de maneira complexa, ainda mais no Brasil, país que não é para principiantes como diz a frase do maestro. A corrupção é uma das inúmeras possibilidades de lhe dar com os poderosos, há quem diga que ela já veio com as caravelas portuguesas. Isso não quer dizer que o poder é o diabo pintado e bordado, mas mesmo os envolvidos com os poderosos sabem que sem saliência o jogo não tem graça (no jogo, nada de fiado!). Não quero aqui vir com a história bíblica que diz: “mais fácil é passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus (Lucas 18:24-25)”. Não, meu argumento não chega a tanto, pois há pessoas boas até nos piores lugares, a ordem dos fatores não altera o resultado. Todavia, meu caros, o Brasil não é mais um lugar de ingenuidades, de esperteza sim, ingenuidades não. Não há nada mais sintomático do que arrependimento depois de eleição, até porque o dinheirinho ganho antes de votar, o trago de cachaça ou a roda de bicicleta não vão durar 4 anos. O arrependimento é outra marca da relação com o poder. Se pensarmos bem, até os corruptos se arrependem, mesmo que seja por quinze minutos. A música do poder toca, dança quem quer.
Se o poder faz a diferença no nosso dia a dia, digo mais, se dói no nosso bolso, é porque com ele nem todos podem. Há como derrotar um poderoso? Sim, só quando outro candidato a poderoso quer tomar o lugar do outro. O que é mais interessante, para não dizer ridículo, é que para conseguir derrotar quem está por cima (um pouco acima), prometem-se e vendem-se ideias para os de baixo. Não dá para derrotar alguém mais poderoso sem o aval dos de baixo, ou seja, do povo, da opinião pública. É claro que um poderoso não precisa do povo para derrotar ninguém, mas é que fica mais bonito quando se é visto como um herói, isso faz toda a diferença. Dessa maneira, nós podemos perceber uma coisa: o poder não pode. Não pode porque deve sempre estar atento aos seus inimigos e eles podem ser seus vizinhos. E por que não pode? Porque a emissão de uma ordem do alto nem sempre surte o efeito desejado. Um poderoso pode matar um inseto com uma pisada certeira, mas nem por isso extinguirá todos os insetos do mundo. Os insetos são pessoas “da alta” ou “do alto”, deixo bem claro.
A pedra no sapato do poder hoje em dia é essa: agradar aqueles que ele oprime. A política é um vício, um círculo vicioso, mas com tudo o que está acontecendo no Brasil, com tanto colarinho branco na cadeia, uma pena não serem mais, o negócio dos de cima está ficando cada vez mais complicado. Não é preciso uma guerra civil, isso só faria os oprimidos se voltarem contra os oprimidos. O que mais assusta o poder é que vai chegar um dia em que a opressão da ordem não vai mais adiantar. Costumes não são eternos, “Dieu merci”.
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Pensar em poder força nosso ponto de vista e nossos olhos a se voltarem para o alto, principalmente quando sabemos que estamos abaixo da linha do mar com os demais. O poder busca a partir de suas ordens manipular aqueles que não possuem outro meio a não ser obedecer, ele subjuga e obriga o mais fraco a agir conforme o desejo dele (poder), o que implica desmoralização dos de baixo.
A relação com o poder é um fato, mas como sabemos que o abuso é uma regra de dança básica no baile do poder, não podemos ignorar que muitos excessos prejudicam essa relação. A noção que temos é que não sairemos limpos se nos misturarmos com o poderoso. É claro que há inúmeros benefícios, todavia essas benesses podem ser o prejuízo lá na frente.
Para chegar em cima é preciso de um empurrãozinho dos de baixo. Nada é mais fascinante nessa vida de aventuras do que brincar com os de baixo, jogando com o poder que supostamente é dado para quem de fato não tem poder algum. Os oprimidos são muitos, os escolhidos poucos e esses poucos é que brigam pela cereja do bolo, pela maior fatia, por toda a festa e pelos presentes. Para os coitados a desordem, para os poderosos a ordem da vida, a luta constante.
Chegamos ao paradoxo de ver o poder lutar para se validar, pois não adianta mais ser apenas, as aparências não mais enganam. É claro que os de cima ainda mandam e talvez por muito tempo, mas não é mais todo mundo que pode ser chamado de Rei Sol. O maior desafio dos poderosos é aparentar não serem vencedores de fachada. O futuro do poder é a incerteza.