Os Donos da Verdade – Por Ranieri Basílio

Talvez tenha existido um tempo em que assistíamos o jornal para ficarmos informados, mas parece que foi numa outra dimensão. O que mudou? Mudou nossa percepção sobre a imprensa, hoje não sentimos simplesmente que somos informados, mas que algo se esconde por trás de cada notícia transmitida. Não sei se é absurdo dizer que a imprensa não faz mais sentido. É algo a se pensar.

Em tempos democráticos e complicados como o presente, a liberdade de expressão implica muitas nuances. Podemos dizer o que quisermos contra quem quisermos, muito embora conscientes de que não se pode falar de qualquer um sem correr o risco de um processo. É meio paradoxal, podemos falar, mas não de qualquer um. Há nesse ponto uma censura, a uns o direito à palavra, a outros o dever severo das consequências. Isso quer dizer que os que podem falar têm peito para isso, têm as costas quentes como se diz. E quem seriam esses? Bem, eles têm muitos rostos, mas podemos simplificar, são os grandes grupos midiáticos. Qual a implicância disso? Simples, a liberdade de expressão na mão desses grupos nos diz que eles são os donos da verdade.

O país inteiro se torna refém dos donos da verdade, refém dos formadores de opinião que talvez nem saibam mais o sentido da palavra ética quando se pronunciam. É terrível ver um país como o nosso, detentor de uma dimensão tão incrível, gigante pela própria natureza, tornar-se uma grande e inútil ficção. Sim, ficção, novela da pior qualidade, com atores precários e vergonhosos. O país se torna uma minissérie de televisão sobre máfia. Não há mais diferença entre uma novela e o telejornal.

A maneira como se informa algo é um caso interessante. O mais terrível é a falta de criticidade na hora de noticiar, por exemplo, basta ver como a transmissão se debruça enfadonhamente sobre um fato e fica nele como um jovem aluno de anatomia a dissecar um sapo em sua mesa de estudos. Agora imaginemos o efeito disso em nosso pensamento, ou melhor, em nossa maneira de ver o fato noticiado. Sem criticidade a coisa se torna uma fantasmagoria, não a concebemos como um dado do real, é uma ficção da pior qualidade. Simplesmente o fato se afasta do real, portanto é fácil pensar que não tem nada a ver com a gente.

É indiscutível que a nossa política é perita em formar e alocar verdadeiras máfias nos corredores de Brasília, mas é preciso reconhecer que ladrão existe no mundo inteiro, caso contrário teremos problemas políticos e psicológicos, estes últimos mais graves, pois colabora para nossa transformação de vez em seres fictícios. Isso nos faz perder a percepção da realidade e desemboca na nossa falta de meios para mudar a nossa realidade mesma.

O país é um paciente sem muitas esperanças, o seu câncer está mais para terminal do que para tratamento. Esse tipo de ideia, ideia de pessimista para muitos, provém da figura de país que nos é dada todo santo dia pelos donos da verdade. É como se falar de crises e crises só servisse para nos deixar em crise. A consequência disso é um povo cético, uma crise existencial de cidadão brasileiro, ou seja, escapismo. O brasileiro não quer e nem consegue mais ser brasileiro. Nunca foi tão relevante e tão dolorido neste momento reconsiderar o nosso complexo de vira-latas.

Quando ouvimos o que a imprensa nos diz, temos a tendência natural de nos vermos pela ótica da mídia. Se corrupção é a tônica do momento nos meios de comunicação, como não se sentir também corrupto? Corrupção do corpo que é o país que deixa de ser paciente e vira cadáver. A sensação é como se a corrupção corresse no ar que respiramos, do presidente do país até o cidadão comum abusado todo dia. É obvio que não podemos fingir que isso não acontece conosco, mas é preciso ter visão crítica sobre como os fatos são transmitidos. Se nessas inúmeras listas de incapacidade de interpretação textual o Brasil sempre ocupa as últimas posições, imagine se elas levassem em conta a nossa capacidade de interpretar o que a imprensa nos diz.

A solução, se há alguma, seria a união do povo, essa coisa tão plural e altamente fraca no ramerrão da história do Brasil. A união de um povo pode torná-lo maior, pode torná-lo mais digno e menos vergonhoso quando olhar para si mesmo. Mas isso é possível? Desde a última eleição presidencial que o Brasil se rachou, com isso se esfacelou uma esperança de um dia ser uno. Parece mesmo que só a visão pessimista do país é que nos fornece uma verdade, verdade transmitida (forjada) pelos donos da verdade. Já é comum a ideia de que só a notícia ruim chama a atenção, isso por aqui parece ser a regra. O Brasil segue uma ficção, o importante não é mais construir um país, mas sim os pontos da audiência.

 

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