O poder possui um medo: a decadência. Pessoas poderosas não querem deixar de ter o status e por isso utilizam aquilo de que têm medo, a decadência, como arma para acusar aqueles que não estão no poder. É natural darmos razão para o discurso do poder pela crença de que ele representa o “correto” ou mais “conveniente” para o momento. Àqueles a quem tal discurso se manifesta não têm sequer o direito de reposta, pois a resposta não terá de forma alguma uma potência, será a palavra sem peso, a palavra sem o glamour do poder.O passado é mais charmoso que o presente, há uma sensação atraente em ser nostálgico, olhar para o passado traz consigo um ar de segurança que não pode ser experimentado no presente. A mesma compreensão se adequa ao futuro, quando o imaginamos temos um alívio por ele estar bem distante, ficamos leves quando ele se mostra mesmo impossível, pois o futuro pode aparentar num primeiro instante ser necessário, mas sempre fica um medo de que não seja o melhor para nós, então o rechaçamos. O problema com o tempo é que não é possível voltar os ponteiros do relógio, estamos condenados ao presente e por ele ser o aqui e o agora, o instante mesmo da realidade, temos a sensação de que houve um passado e haverá, inevitavelmente, um futuro. O presente é um tempo triste, mas achar o passado melhor é um engano, ele foi nosso presente noutro momento. Temer o futuro é um outro engano, ele será nosso presente em instantes. Somos prisioneiros do tempo e de certa forma nunca vamos apreciá-lo, nossos olhos doerão a cada momento em que nos pusermos a contemplar a nossa história dentro do tempo.
O poder é e está nas mãos dos “representantes”, o povo é uma abstração jogada ao limbo, atirada para o lugar da pobreza, ou seja, para o suposto lugar original do medo. Nesse lugar não há carro blindado, não há apartamentos caríssimos em Nova York, não há etiqueta, não há prestígio social. O povo quando merece destaque geralmente é na parte policial de qualquer jornal, o povo é o medo e a violência, mais: o povo é a sujeira da sociedade no pensamento da alta sociedade. Alta sociedade que é representada de uma forma que o povo não é, pois se é como dizem que depois das eleições os políticos somem, é preciso ter em mente que o sumiço não existe para os seus “representados”: a alta sociedade.
Uso esse termo – alta sociedade – para mostrar a distância e a dinâmica das desigualdades sociais, pois sem a fragilidade do povo não há meios de essa sociedade ser sustentada. Muitos acusam o povo de escolher mal os seus representantes, mas me pergunto se haveria outra maneira, pois aqueles que se dispõem a disputar uma vaga na política o fazem por mil motivos, entram no jogo para ganhar e como para cumprir o regulamento precisam do voto, nada melhor do que se mostrarem como os salvadores da pátria. Sendo assim, interrogo-me se o povo é o grande culpado de não saber votar. Será que se soubesse votar as coisas seriam diferentes? Creio que não, acredito que o problema é mais embaixo. O povo não tem mais é a quem escolher de fato, não há confiança que se sustente em relação a nenhum novo salvador do país. Não haverá povo soberano se a situação e os atores políticos não são.
A nostalgia e o sentimento de que “antigamente é que era bom” são vistos por uns como resposta para a tragédia do presente. O medo do futuro, o sentimento apocalíptico e a vontade de esquecer o que ainda nem existe enchem a cabeça dos cidadãos, principalmente dos cidadãos mais sem perspectivas, ou seja, os pobres cada vez mais esquecidos por aqueles que lutam pelo poder. Todavia nem o passado e muito menos o futuro conseguem vencer o terror próprio do presente, o presente é um tempo de frio e medo, o presente é um tempo triste. A representatividade política se torna uma ilusão à medida que o povo compreende que ele simplesmente não existe, que ele não está na pauta do dia. Os únicos representados são os que fazem parte do clube, é necessário ser sócio para se sentir representado, possível apenas para uma camada da sociedade, a camada endinheirada que, por sinal, é também a classe política. A participação política do povo, restrita há muito tempo ao simples ato de votar, perde o sentido quando nos vemos na impossibilidade não tanto de não votar, mas de acreditar naqueles que se apresentam como justiceiros e salvadores. Perdemos a fé em nós mesmos como cidadãos e no Brasil enquanto país que segue aos trancos e barrancos com o qual já estamos acostumados. Definitivamente estamos espantados com a possibilidade de mesmo aos tropeções não darmos mais certo. Nós, o povo brasileiro, temos a certeza, antes já visível, mas agora escancarada, de que não temos poder algum. A crise econômica nos levou à crise política, mas a pior é a crise de identidade do povo. Sairemos dessa?