AS LEIS VALEM ou NÃO VALEM? O atentado contra um senador

por léo mackellene

A despeito de todos os dispositivos legais que temos, o que se viu hoje, dia 19 de fevereiro de 2020, em Sobral-CE, não foi só o descumprimento das leis por parte de quem, na verdade, deveria garanti-las, foi a instauração de um estado policialesco, que acabou com um Senador da República baleado e a população da segunda maior cidade do estado do Ceará, a quinta maior capital do país, em estado de pânico.

As armas igualam os homens? Hoje, um Senador da República foi baleado por policiais militares. Esqueçam seu nome. Atentem ao que isso significa: um Senador da República foi baleado por policiais militares.

Quando brincam com a lei, é isso o que acontece. O que é um coronel na frente de um miliciano? O que é um presidente, um juiz, um advogado, uma pessoa comum? Uma família envolvida até o talo com milicianos está no poder. Vocês entendem o que é isso? Sabem o que significa contratar um secretário? Um assessor de gabinete é um secretário. Você contrataria uma secretária em quem não pode confiar?

A cada turma do Direito que passa pelas minhas aulas, eu repito e repito depois de copiar no quadro: a lei não é questão de justiça, é questão de poder.

Quando transformam a lei numa arma, é isso o que acontece. A lei é a chave do equilíbrio social, do equilíbrio humano. Imagina o planeta sem a lei da gravidade. É ou não é pra se garantir a ordem e o progresso? Está na nossa bandeira. Ela é ou não é aquela? Como é que uma lei que serve pra um não serve pra outro? Como é que uma coisa é crime num dia e no outro não é mais? Não estamos falando de infrações. Estamos falando de crime. Crime. Abundam os exemplos desde o impeachment, desse fenômeno que bem se poderia chamar de “retorcimento da lei”, uma interpretação tão forçada da lei pra caber numa sentença, que a lei quebra; quando, na verdade, é a sentença que deve caber na lei. Não o contrário. Nem o jurista argentino Genáro Carrió poderia imaginar, em Las palavras de la lei, tamanha distorção da teoria da vaguidade das palavras da lei. Meus irmãos, pode tudo pra garantir a nossa vontade? É a nossa vontade o objeto da lei? Somos reis absolutistas? Qual a diferença de um rei absolutista para um coronel? Acabou o reinado! Somos uma República! Acabaram as oligarquias! Somos uma República! Ou estamos juntos ou não somos uma nação!

Vamos transformar o Brasil em quê? Em que vamos deixar que se transforme o nosso país antes de nos entendermos? O que está faltando? Falta pra quantos?

Olhe os outros países, os tais países de “primeiro mundo”. Ano passado, a cidade italiana de Cremona combinou de ficar toda em silêncio durante dois meses pra que se pudesse gravar o som dos violinos do luthier mais importante e mais antigo da cidade, Antonio Stradivari, do século XVII e XVIII. Os melhores violinos do mundo. Uma cidade inteira. Em silêncio, dois meses. Dois meses. Sessenta dias. Dia por dia até sessenta dias. Em silêncio. Sem buzina, sem música, sem grito, sem barulho. Quando as leis não são armas, são códigos de conduta, são regras do jogo, e quando as regras do jogo são respeitadas, dá nisso, equilíbrio.

Aqui, nós, brasileiros, vivemos sovinando migalhas uns aos outros, atropelando pedestres na faixa e fugindo sem prestar socorro e achando isso o máximo, símbolo-síndrome da “malandragem”. Ora, “o que há de errado conosco?”!

Bolsonaro, que ainda não era presidente, foi esfaqueado por um louco, em praça pública, nos braços dos seus! O irmão do presidenciável Ciro Gomes foi alvejado por três policiais militares.

As leis valem ou não valem mais?

O art. 9º da Constituição de 88 assegura o direito de greve. Esse artigo costuma ser evocado quando professores, bancários, petroleiros, caminhoneiros ou outros grevistas são reprimidos violentamente pela polícia. Pela polícia. A mesma Constituição, no entanto, no art. 142, inciso IV, proíbe aos militares a sindicalização e a greve. É proibido!

É o art. 144, parágrafo 5º, que rege que aos militares cabem “a preservação da ordem pública”, ou seja, o cumprimento da lei, que é aquilo que mantém (ou deveria manter) a “ordem pública”, o equilíbrio social.

Em agosto de 2014, a Câmara Legislativa de São Paulo publicou em Diário Oficial a lei municipal nº 15.556, que proíbe “o uso de máscara ou qualquer outro paramento que possa ocultar o rosto da pessoa, ou que dificulte ou impeça a sua identificação”. Outras decisões do tipo já haviam sido decretadas em Pernambuco, Rio de Janeiro e também no Ceará. No dia 06 de setembro de 2013, o juiz Roberto Soares Bulcão Coutinho, titular da 7ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza, amparado na lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009, que dispõe de identificação criminal do civil identificado, autorizou que policiais “solicitem a retirada do objeto, adorno ou utensílio, para fins de verificação, em confronto com a identificação apresentada, até em caso de pintura, se impossível tal constatação sem a remoção do produto”, inclusive prevendo que, em caso de recusa, “poderá a pessoa ser compelida a comparecer à delegacia competente, ou plantonista, para averiguação necessária”.

Ontem, nos preparativos para o Carnaval, os agentes de segurança do Estado, membros da polícia militar, declararam greve. A estratégia dos grevistas repetia o modus operandi de 2012, quando, liderados pelo agora deputado Capitão Wagner, deflagraram uma greve em plena virada do ano. É ou não é no mínimo irresponsável? É inconstitucional!

Como forma de tentar pressionar o governo do estado, desde ontem eles espalham fakenews na cidade dizendo que estão acontecendo arrastões no centro, nos bairros. E hoje policiais encapuzados foram em carreata com as próprias viaturas da polícia militar de porta em porta dos comércios exigindo que eles fechassem as portas, como as milícias fazem nos bairros do Rio de Janeiro.

O art. 5º, inciso XII, da Constituição, assegura o “livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão”. Bem como o art. 170, parágrafo único, garante “a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos”. Vale ou não vale a Constituição de Ulisses Guimarães?

Cid publicou um vídeo nas redes sociais pedindo que as pessoas fossem recebe-lo no aeroporto de Sobral. Muitas pessoas foram. Ele chegou de camisa laranja e pegou carona numa retroescavadeira. De posse de um megafone, passeou pelas ruas da cidade tentando acalmar a população; do Arco do Triunfo, ponto central da cidade, até a o mercado central, onde fica o quartel onde os policiais grevistas estavam aquartelados. Ele tentou negociar com os policiais pedindo calma, solicitou que abrissem aquele portão que aparece no vídeo, até que deu 5 minutos para que os policiais grevistas saíssem pacificamente com suas esposas e filhos, que estavam lá dentro do quartel. Não aceitavam negociar. A insistente recusa fez com Cid assumisse o controle da retroescavadeira e a jogasse contra o portão, onde os policiais fizeram um escudo humano. Foi quando três homens sacaram um revólver e atiraram contra ele, enquanto outros jogavam pedras que atingiam os vidros do trator e pessoas do lado de fora do portão; na cabeça, no ombro, na nuca, nas costas, no peito. Senhores, senhoras, mulheres, crianças, homens, pessoas. A lei vale ou não vale?

Ainda que a greve seja inconstitucional e que isso ponha em risco a coletividade, por outro lado, Cid não tem qualquer direito de fazer o que fez. Foi uma tentativa frustrada de demonstração de poder! A julgar pelas circunstâncias, de Superpoder!

Precisamos de um grande acordo nacional, com o supremo, com os militares, com os indígenas, com os negros quilombolas, com os LGBTQi, com os nordestinos, sulistas, nortistas, com gente de todo o Brasil, para parar tudo isso antes que a gente se mate. E aí? Como vai ser?

Léo Mackellene é mestre em “Literatura e Práticas sociais” pela Universidade de Brasília (UnB). Professor de Argumentação jurídica no curso de Direito e Editor-chefe de Publicações da Faculdade Luciano Feijão (FLF), em Sobral-CE. Escritor membro da Academia de Letras e Artes do Nordeste (ALANE). Autor de nove livros, dentre eles o romance Como gota de óleo na superfície da água (Radiadora, 2017). Editor do blog observatório de mídia O outro lado da coisa. E-mail: leomackellene@gmail.com

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Professor e Jornalista

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